top of page
Foto do escritorRaissa Ferreira

Crítica - Os Colonos (2023)

Direto e objetivo, filme de Felipe Gálvez faz um recorte do genocídio indígena no Chile ironizando as guerras territorialistas de egos masculinos


Os Colonos Filme

A violência estampada nos primeiros minutos de Os Colonos estabelece o tom que abrirá as ideias do filme. Nessas terras enormes e pouco povoadas, a brutalidade é o único recurso e não há lugar para todos. O trio de diferentes origens faz sua jornada pelas terras de um homem poderoso, sempre mencionado por seu nome, mas que só dá as caras muito depois. Apenas a ideia de que uma única pessoa, um único nome e sobrenome pode ser proprietário de um pedaço do mundo, soa estranha, e, por isso, Gálvez usa suas lentes para filmar cada pedaço da enorme natureza que cerca esses pequenos homens, servos de um chefe maior. A luz, que parece ser apenas natural nas cenas diurnas, fortalece um aspecto cru, de imagens que são tão diretas quanto sua narrativa, como se a equipe de filmagem se tratasse de apenas uma pessoa capturando as paisagens como elas realmente são, com a única distorção sendo a que a própria lente grande angular dá. A própria dinâmica entre os três já é efetiva para montar a questão central do longa, mas são nos encontros com outros, ao longo da jornada, que se criam os maiores conflitos e a violência é acentuada como única saída. Gálvez usa a visão dos colonizadores os ironizando, mas compreendendo a seriedade da devastação e morte que deixam pelo caminho, assim, Segundo (Camilo Arancibia) se torna um observador silencioso de ações ocultas, enquanto o britânico MacLennan (Mark Stanley) e o americano Bill (Benjamín Westfall) tem tanto suas mãos sujas de sangue, quanto são inevitavelmente afetados pela violência. 


Entre os estrangeiros que fazem parte do trio e aqueles que aparecem ao longo da viagem, é estabelecida sempre uma dinâmica que satiriza suas masculinidades. A conquista territorial se assemelha a uma briga de egos, ou quase uma de falos, e isso é bastante pontuado no primeiro encontro, em que MacLennan e Bill fazem embates de força contra os outros homens e colocam seus servos indígenas para disputarem entre si. É patético, para dizer o mínimo, observar os homens brigando para ver quem teria mais força naquele pequeno espaço, cercado pela imensidão da natureza. O tempo todo, uns querem dominar os outros, a demarcação de terras é também uma invasão de corpos, que se dá tanto pela morte de todos os grupos que ali vivem, quanto pela violência sexual com suas mulheres. A brutalidade deixa, aos poucos, de ser tão frontal, e enquanto as imagens de corpos empilhados soam como denúncia, os tiros são escondidos na fumaça. Até a misericórdia vem pela agressão, quando Segundo precisa sufocar a única sobrevivente de um grupo para que seu corpo pare de ser violentado, mas é pelos rostos de pele vermelha muito próximos que observamos a dor, enquanto a crueldade dos colonizadores é mantida no escuro. Entre as hierarquias definidas, em que britânicos se acham melhores que americanos e todos se entendem maiores que os povos originários, ironicamente, todos os homens ali servem a alguém e sempre há um predador ainda maior no caminho. É assim que mais uma vez, os egos da masculinidade se chocam e a dominação de corpos serve como ironia para castrar MacLennan, as armas acabam com o problema de vez, mas a disputa corporal é que estabelece verdadeiramente o poder. 


A mudança de tom que acompanha os anos passados remove de vez a brutalidade. Ainda que muito objetivo, Os Colonos é mais forte nessa relação crua e violenta que conta uma história de sociedades construídas pelo sangue, por homens brancos discutindo quem tem mais poder, do que nas mensagens reflexivas que pretende deixar ao final. Segundo e sua companheira ainda enfrentam os estrangeiros, mas seja lá o que aconteceu entre eles e o britânico, isso permanece escondido na elipse temporal. O dono das terras, sempre mencionado como uma carta poderosa, se mostra só mais um senhor patético cercado de luxos, longe de toda devastação que seu nome provoca, assim, essa conclusão se afasta do sangue e se pauta na palavra, na manipulação e provocação, enquanto as terras continuam a ser um cenário de morte e dominação, longe de nosso olhar. 


É um recorte trágico e direto de Gálvez, que compreende o massacre contínuo daquelas terras, mas usa o faroeste para ironizar as fragilidades masculinas dos homens brancos que causam tanto estrago em busca de poder.


Filme assistido a convite da O2 Play e MUBI

Os Colonos chega aos cinemas brasileiros em 1º de Fevereiro de 2024


 

Nota da crítica:

3,5/5


autor

Comments


bottom of page