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Crítica - Os Observadores (2024)

Foto do escritor: Raissa FerreiraRaissa Ferreira

Ishana Night Shyamalan demonstra suas heranças narrativas e faz boa estreia com conto de fadas de horror, apesar da dificuldade para conciliar ideias no desfecho


Crítica Os Observadores Shyamalan

Não é todo mundo que tem a sorte de começar uma carreira com toda a estrutura e experiência que Ishana teve, mas o resultado final de Os Observadores mostra que sua capacidade de direção dá conta do recado e não desperdiça toda essa bagagem. Ainda que tenha retirado a inspiração de um romance de mesmo nome, o roteiro final escrito por ela demonstra que todos os anos ouvindo histórias do pai e o acompanhando em gravações fixaram na mente da jovem cineasta uma herança narrativa. O horror aqui nada mais é do que um conto de fadas, com a obscuridade típica ao sobrenome, Ishana joga sua protagonista (Dakota Fanning) em uma fantasia mitológica que faz parte daquele mundo como algo tão crível quanto qualquer outra coisa, o mesmo é solicitado ao espectador, é preciso ter fé nos filmes dos Shyamalan, acreditar em seus contos e mitos, ou você nunca será fisgado. Enquanto Mina corre por uma floresta e a ameaça já apresentada a nós na introdução se aproxima, uma porta se abre e é apenas essa crença cega que a faz adentrar uma espécie de bunker isolado, com pessoas que nunca viu antes. Tudo que ocorre nesse ambiente entre as árvores é construído por Ishana de forma muito eficaz, carrega um imaginário um tanto inocente, típico de um folclore infantil, mas é pautado na escuridão das sombras. O longa faz questão de ocultar tudo que pode para garantir o mistério do desconhecido, é isso que segura a base das imagens e do texto, não compreender totalmente o que forma esse horror. E é justamente essa dinâmica que falha quando o filme vê a necessidade de esmiuçar uma racionalidade textual, se é a sombra do suspense que forma o medo, a compreensão exaustiva de cada ponto o torna inofensivo aos poucos, como um desfecho feito para exaltar o universo criado em cada característica, mas também perfeito para se fechar o livro e dormir tranquilamente.


Ishana Night Shyamalan mostra um controle de direção bastante interessante para uma estreia, pegando pontos chave e analogias, os aproveitando no uso narrativo para construir sua mitologia. A gaiola que prende o pássaro e o poleiro/televisão das criaturas, o espectador obcecado pela observação e mimetização das imagens e as fadas que passam noites estudando os comportamentos mais banais dos humanos, a tela que é uma janela mas que do lado de dentro é um espelho para os observados, que, comicamente, assistem a um reality show, tudo é bem utilizado para formar um suspense que mantém os personagens numa caixa, sem saber o que realmente existe no escuro, tanto quanto nós, presos em nossa caixa escura observando a projeção. Quando Mina chega ao lugar, o pequeno grupo não somente vive as regras dessa fantasia sem as questionar, como parece quase roboticamente acostumado a elas. É a protagonista, que ironicamente já possui sua própria duplicata, a provocadora do abalo no sistema de crenças de todos e das rígidas demandas da experiente Madeline (Olwen Fouéré) e embora as questões psicológicas sejam exploradas pelos delírios da floresta ou para promover uma conexão entre os objetos de observação, Ishana nunca pega na mão dessa onda de terror elevado, seu apreço é total pela fantasia, dando mais destaque ao conto de fadas em si e o mistério que ameaça a todos.


Mas é justamente o que não pode ser compreendido que garante o medo, combustível antigo do terror, seja escrito, assistido ou vivido. Mina vem para desafiar, com a certeza de que irá encontrar uma forma de escapar desse lugar, balançando o comodismo do grupo. O objetivo principal é sair da floresta e o que mantém todos presos é não ser capaz de enfrentar o desconhecido, portanto, é necessário que a protagonista encare e atravesse, investigando as criaturas e suas motivações. A descida ao subsolo, que encontra os materiais de pesquisa de alguém que já fez esse processo, já serve bastante para jogar uma pequena faixa de luz nessa mitologia construída por Ishana, colocando seus personagens em uma fuga bastante eficaz e quase tranquila, em comparação aos filmes de terror convencionais. Mas, de alguma forma, a criadora sente necessidade de confrontar sua criação ainda mais e Mina serve como sua representante que vai atrás de cada pequena resposta. O filme parece se encerrar diversas vezes, em uma dificuldade de encontrar o momento certo, mas também declarando algo muito comum da família Shyamalan. Assim como o pai, Ishana não consegue sair deixando pontas soltas, ela precisa desvendar seus mistérios para o espectador. Nós, observadores de sua obra, passamos por cada etapa, da descoberta até o confronto que torna o inimigo antes misterioso, algo praticamente inofensivo, vencido pela racionalidade humana.


A capacidade de Os Observadores de construir uma fantasia que pede apenas a crença sem questionamentos, é admirável, mas parece quase uma traição buscar amarrar suas ideias justamente no caminho oposto, jogando holofotes no que antes era sombra, procurando cada ponta, tirando o medo do monstro escondido no armário para o humanizar, tornando-o parte compreensiva na multidão, e aliando isso a uma protagonista que, embora sempre gostasse de se fantasiar e viver mentirinhas, se debruce em lógicas para desmascarar suas ameaças. Isso tudo vem muito de um lugar sentimental, típico das obras do pai da diretora, que também tendem a enfraquecer seus desfechos, e como uma herança ou um déjà-vu, é possível se empolgar com tudo que a cineasta constrói e vende a nós por sua janela, deixando o final um pouco aquém. Ainda assim, muito boa a estreia e o domínio narrativo que se apresenta, tornando bastante empolgante o futuro cinematográfico de Ishana e seus contos de fadas de terror.


 

Nota da crítica:

3/5


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