Se afastando dos grandes espetáculos, Todd Haynes se volta à complexidade que constrói personagens instigantes e à sedução superficial da representação
Retornando aos relacionamentos conturbados, Todd Haynes dessa vez escolhe não olhar para a raiz da questão. A grande polêmica aqui, o contato totalmente impróprio entre Joe (Charles Melton) e Gracie (Julianne Moore) já ficou de certa forma no passado, e agora é naturalizado na vizinhança e nas famílias, ao menos é o que parece. Ao se voltar para esse show típico dos tablóides, só que décadas depois, Haynes se afasta da espetacularização para se colocar atrás de uma barreira de representações da vida real. É o fascínio da atriz (Natalie Portman), seu olhar que procura copiar gestos e aparências, que leva o espectador para dentro daquela história, ou o mais próximo que ela consegue, e quer, chegar. Ainda que possua acesso à intimidade dessa família construída de forma completamente absurda, Elizabeth se atém a conhecer apenas a camada mais superficial de sua personagem, seu jeito de falar, seu cabelo ou sua maquiagem, e se direciona a tentar experimentar suas vivências, o desejo por Joe, por exemplo, sem compreender realmente o que se passa dentro daquela mulher. Assim, Haynes nos prende em um jogo de predadores e presas pelo que faz das pessoas os personagens mais instigantes de serem observados, a complexidade moral, mas nunca permite que essa seja desbravada em sua profundidade, tanto para Gracie quanto para Elizabeth, que se torna nosso próprio objeto de fascínio. Da mesma forma, o filme aumenta os pequenos momentos. Já que os tablóides não precisam mais expor cada pequeno movimento desse romance, e o maior atrativo da polêmica se foi com o tempo, Haynes busca agravar o potencial dramático, com seu zoom e trilha sonora marcada, nas coisas mais triviais, como Julianne Moore atestando a falta de salsichas suficientes para seu churrasco.
Elizabeth caminha pelos espaços exalando alguma seriedade em sua pesquisa, como se compreender aquele núcleo familiar fosse crucial para uma boa representação no filme em que vai atuar. Ocorre, porém, que a atriz mantém sua distância tanto quanto a câmera nos segura de adentrar realmente essas personagens. Se Persona (Bergman, 1966) buscava justamente expor o psicológico complexo de suas protagonistas para além de suas atuações, mas também na forma em que as imagens são apresentadas, Segredos de Um Escândalo preserva o mistério da complexidade moral ao nunca permitir um mergulho total na psique dessas mulheres, se valendo do maneirismo de Haynes para exibir cores, sensualidade e exageros no caminho. Gracie segue manipulando tudo, atuando, e Elizabeth não faz nenhum esforço para passar dessa camada fabricada, da mesma forma, somos incapazes de compreender essa atriz e o que se passa em sua cabeça, além da obsessão em criar uma imagem bastante fiel à de seu objeto de estudo. O longa trabalha então esse fascínio pelo observar distante dos espetáculos mais cotidianos da vida, aqueles mistérios mais próximos, de pessoas comuns, e ainda assim, indecifráveis, expostos ao mundo em imagens e entrevistas que jamais são capazes de adentrar a profundidade das atitudes e personalidades, alimentando quem assiste com pequenas migalhas que viciam, dão combustível, para uma busca impossível por algo real nessas histórias. Essa realidade, tão mencionada por Elizabeth, que ela busca alcançar com seu trabalho, se limita a um experienciar que a atriz busca aproximar do que Gracie possa ter vivido ou sentido, logo, ela não conversa com a mulher para tirar dela verbalmente ou emocionalmente suas motivações, mas tenta ela mesma desejar Joe, ou sua representação.
As emoções são deixadas de lado quando observamos esse espelho no qual as duas mulheres se posicionam, só aparecem com alguma autenticidade quando olhamos para Joe, que é levado por esse processo a refletir o abuso que sofreu no passado. Toda aparência, a imagem superficial que cobre essa família como uma barreira impenetrável, parece ter impedido o homem de mergulhar na problemática que viveu, lidando ele também apenas com os traços mais rasos de sua relação, muito pela manipulação constante de Gracie. Charles Melton garante então os momentos mais verdadeiros desse mundo artificial e novelesco, olhando para toda uma vida que perdeu preso nessa redoma. Mas, mesmo que exista esse espaço para seu personagem refletir mais a fundo, para Elizabeth não interessa seu desabafo emocional, só importa qualquer material que ele possa lhe entregar para garantir a melhor cópia de sua predadora. Não surpreende então que o resultado seja tão sensacionalista e cafona quanto uma capa de revista de quinta categoria, estampado na estética erótica barata das cenas exibidas ao final, mas que Elizabeth ainda vê seriedade, ainda busca o real, mesmo que nunca tenha conseguido compreender a realidade daquela que agora representa. É um fetiche imagético, uma obsessão pela ideia, o fascínio pela ambiguidade moral que não busca se relacionar em um nível de empatia ou entendimento, somente pela mimetização, pela propagação da história, da violência que alimenta todo um público que adora observar de longe as polêmicas em que não consegue se aprofundar em sua totalidade. O mistério da não compreensão total é o que instiga tanto, fazendo o superficial ganhar fôlego ao exibir apenas a pontinha do iceberg.
A verdade, o real, está no que Joe sente, mas só interessa aqui olhar para a casca de Gracie, a imagem que ela mesma e as pessoas ao seu redor projetam, a manipulação constante que a mulher cria para blindar suas relações de reflexões mais aprofundadas. Por mais devastador que seja entender nas pequenas frestas o quão problemática é a situação de Joe, desde a sedução na quase infância - pontuada assustadoramente pelos atores mirrados que buscam seu papel - até seu entendimento de que foi obrigado a amadurecer muito antes, ele é deixado sempre distante pois não há o mesmo fascínio em seu drama, justamente por ser real. A câmera captura tudo isso, mas segura nosso olhar nesse fetiche, no que é mais atrativo. O que seduz, o que vende e nos captura aqui é a manipulação, a possibilidade de molhar os dedinhos em uma história absurda de aparências, nunca o mergulho de cabeça no espelho.
Filme assistido a convite da Diamond Films
Segredos de Um Escândalo chega aos cinemas brasileiros em 18 de Janeiro de 2024
Nota da crítica:
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