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Foto do escritorRaissa Ferreira

Crítica - Servidão (2019)

Documentário de Renato Barbieri trabalha sua importante temática em abordagem rígida para expor, didaticamente, o terrível histórico da escravidão no Brasil das origens até os tempos atuais


Servidão Documentário

A história da escravidão no Brasil é antiga e, embora tenha uma abolição registrada nos livros, a realidade é bastante diferente. É isso que Renato Barbieri quer mostrar para todos com seu filme, e, ao compreender que seu material tem valor não apenas histórico, mas também educativo, sua abordagem parece sentir a necessidade de se engessar em um formato quase jornalístico, que foca todos seus esforços em montar uma linha das origens da escravidão em nosso país até o momento presente, de uma servidão moderna, o combate que o estado forneceu e como não progredimos mais desde então. É importantíssimo para Servidão que tudo seja compreendido e que seus entrevistados ajudem a tecer essa história, com apoio da narração de Negra Li que auxilia na contextualização de tudo que está sendo contado. Existem diversas formas de se filmar um documentário e Barbieri escolhe o caminho dos mais simples, dando a entender que o que realmente importa em seu filme é o valor de seu conteúdo e que este dará o contorno necessário, a emoção e criará conexão suficiente, sem a necessidade de uma direção mais criativa ou da busca pela imagem de explorar alguma relação com seus personagens. Da mesma forma, ainda que existam depoimentos de pessoas que sofreram com a escravidão moderna e outras que atuam em seu combate, o longa pretende unir seus relatos como peças de um cenário gigante, nunca focando em uma delas para explorar mais a fundo ou criando maior proximidade entre o espectador e um dos entrevistados, é tudo sempre sobre essa grande história de muitos rostos. Esses esforços acabam por fazer de Servidão uma obra com valor educativo, mas que deixa a desejar como cinema. 


É possível se emocionar e sentir a dor da história, principalmente nos momentos mais marcantes em que o longa usa imagens de arquivo do grupo móvel que combateu a escravidão moderna e libertou milhares de pessoas, porém, tudo se dá principalmente pelo teor do que está sendo trabalhado, sem esforços de Barbieri para conectar cinematograficamente o espectador com a mensagem que quer passar. É inegável a importância de seu tema, mas isso por si só não é capaz de fazer um filme. Ocorre que Servidão talvez compreenda que dado o histórico do Brasil com a escravidão e todo racismo impregnado na sociedade, fosse necessário explicar didaticamente a todos a dimensão do problema. É como se Barbieri quisesse realmente desenhar para que qualquer um fosse capaz de compreender como chegamos até aqui e porque até hoje não podemos nos dizer livres da escravidão. O grande feito aqui é unir de forma coerente uma história longa e cheia de ramificações, que encontra suas complicações modernas. Servidão deixa claro quem são os interessados hoje em não combater a escravidão e quem são as pessoas que seguem lutando contra ela, da mesma forma, expõe a urgente necessidade de uma reforma agrária. Todas as questões políticas e trabalhistas que parecem chegar a uma conclusão de que estamos estagnados em um ponto que precisa de mais ação do estado para progredir são colocadas em tela de maneira muito rígida, como um material de estudo realmente. 


Os mesmos planos típicos do formato documental mais quadrado são a base do filme, entrevistas alternadas em imagens de arquivo, gráficos explicativos com dados na tela e cenas com uma trilha sonora mais marcada para fechar. Em dado momento um homem diz como a escravidão tratava os escravos como mercadoria, produtos monetizados e, ao mesmo tempo, como humanos na hora da punição. É interessante que Barbieri parece tratar seu tema como um livro didático e, quando tem a chance de aproveitar seus fatores humanos mais autênticos, não o faça. Um dos entrevistados é uma pessoa que já sofreu com a escravidão 13 vezes e muitas vezes seus depoimentos, quase sempre no mesmo enquadramento, são sobrepostos por imagens de arquivo, fazendo com que a riqueza do material emocional seja pouco explorada pelas câmeras ou por todo trabalho cinematográfico. Tudo é revoltante e triste porque de fato é, é impossível ser indiferente a uma situação dessas, que apela aos próprios princípios do espectador, mas é também inegável que pouco há de esforço criativo do filme para aprofundar esses sentimentos.


Enquanto observamos pessoas inflamadas em tela, indignadas com como essa situação se arrasta até hoje, pouco vemos dessa mesma fúria na forma do documentário, que trata puramente sua história como uma longa matéria jornalística. É indiscutível que Servidão tenha valor educativo e que possa ensinar e passar a informação a muitos, inclusive elucidando as problemáticas das políticas atuais que impedem o progresso da luta contra a escravidão, mas é também impossível não pensar nessa obra, enquanto filme, como algo muito aquém de seu potencial, em que falta uma direção para ser mais do que uma aula de história e se tornar cinema, aproveitando tudo de humano que carrega.


Filme assistido a convite da O2 Play

Servidão chega aos cinemas brasileiros em 25 de Janeiro de 2024


 

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