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Crítica - Rivais (2024)

Fazendo de seu filme uma longa preliminar em que o maior tesão é ser um vencedor, Luca Guadagnino aumenta a expectativa ao redor de seu tão esperado clímax


Crítica Rivais (Challengers)

É provavelmente estranho pensar como um esporte sem contato entre os jogadores pode transmitir uma relação tão sexual dentro da mise-en-scène de um filme. O elitismo do tênis, que coloca pessoas em lados tão opostos, operando seus corpos para acertar uma única bolinha, sempre me pareceu enfadonho demais para ser acompanhado, mas a forma como os personagens de Rivais (Challengers)  acertam com força suas raquetes enquanto o som do impacto nas bolas ecoa pela sala de cinema, torna cada movimento hipnotizante. Mais do que isso, muito se diz sobre como o longa de Luca Guadagnino é sensual sem nunca chegar a ter uma cena de sexo em si, porém, ocorre que a própria encenação de Rivais é o sexo, o espectador assiste, por pouco mais de duas horas, três pessoas indo das longas preliminares até o clímax final. Não é o esporte apenas que promove essa relação entre eles, mas cada contato, conversa e olhar, cada ida e volta no tempo, com cortes sempre muito bem calculados para que a expectativa aos finalmentes aumente. Sempre que os personagens parecem perto de efetivamente aquecer o contato de seus corpos, o filme corta, muda de tempo ou alguém sai de cena, a interação muda e as preliminares continuam. Guadagnino joga também com nossos corpos, com nossa ânsia, construindo gradativamente uma transa fílmica em que o gozo parece nunca chegar, sempre rondando, se aproximando e chegando cada vez mais perto, mas guardando o real clímax para o final. Aqui, o maior tesão é ser um vencedor, e cada ponto perdido, cada erro e incompetência dos atletas é quase uma broxada, sempre projetadas por meio de Tashi (Zendaya), a condutora dos desejos.


A escolha da alternância entre o tempo, sem seguir uma narrativa linear que vai da origem, o primeiro encontro, até a partida do reencontro, é fundamental para essa construção gradual. O desejo se inicia no primeiro momento em que Art (Mike Faist) e Patrick (Josh O’Connor) colocam os olhos em Tashi, e a imponência da confiança absoluta da jovem tenista exala sua sensualidade. Mas, para o espectador, essa dança vem já no futuro, desde que a muito mais velha treinadora observa em cada canto da quadra os jogadores em ação. Cada sequência carrega uma dinâmica e, geralmente, o corte para o passado ou para o futuro, não serve apenas ao propósito de revelar lentamente tudo que existiu entre esses personagens, mas também para remover da tela qualquer aproximação do clímax. Assim como Tashi adentra o quarto dos jovens tenistas e se retira no momento em que as coisas começam a realmente esquentar, Guadagnino orquestra Rivais. O sexo verdadeiramente nunca está em tela porque se todas as vezes que alguém se aproximasse dele, o ato fosse concluído, o longa seria mais uma orgia do que uma longa relação sexual, como realmente é. Todos os encontros, a história que se desenrola desde que se conheceram até o momento atual, as intrigas e disputas, são parte das preliminares entre o filme e o espectador. Dos beijos, em que as bocas de Art e Patrick se misturam a partir da condução de Tashi, aos corpos suados filmados em câmera lenta com cada gota pingando diretamente sobre quem assiste, é com a pele do espectador, e com seus desejos, que o diretor quer brincar. Somos nós que ficamos constantemente excitados pelas preliminares audiovisuais, sendo deixados sucessivamente na expectativa como se Tashi tivesse se retirado do quarto inúmeras vezes para, em seguida, entrar novamente, e todo desejo recomeçar.


A trilha sonora eletrônica, da mesma forma, se dá por um ritmo e batidas lineares que nunca atingem um auge sonoro, constroem repetidamente essa ânsia por um ápice enquanto os personagens agem de forma energizante. Cada batida nas bolas é um tiro, cada movimento de seus corpos é contundente, seus músculos ressaltados e seus rostos rígidos preenchem a tela, toda concentração é ali, no momento da partida e sempre que algo parece que será decidido em quadra, o longa mais uma vez corta, muda, antes que todos nós possamos sentir alguma finalização juntos. É preciso aguardar, ser paciente, viver cada alternância das preliminares propostas por Rivais. Assim como o tênis pode ser uma transa entre duas pessoas tão distantes, se for jogado (ou filmado) da forma certa, o cinema é uma relação que pode unir fisicamente a projeção em tela com o corpo de quem assiste, se bem feito e pensado para isso. Essa construção de Guadagnino se mostra bastante efetiva ao passo que, não apenas o tesão ultrapassa a tela, como também a dor, e o rompimento do joelho de Tashi se torna mais do que um recurso do diretor para acalmar os ânimos antes do ápice, mas outra forma de sentir na pele o que é visto. 


Assim, a grande preliminar deixa o espectador extasiado e como toda relação sexual, é preciso chegar a algum lugar para que ninguém saia frustrado no final. A partida que sempre esteve em tela se alonga por toda a duração, mas o desejo e a tensão da narrativa não tornam essa expansão um problema, e sim um gancho - o mesmo ocorre quando sabemos que Patrick irá avisar visualmente a Art o que aconteceu entre ele e Tashi, mas as cenas parecem dar voltas lentas, brincando com nossa expectativa para tornar o momento em si, mais saboroso. O que Guadagnino faz ao romper o distanciamento proposto pelo esporte, colocando seus dois jogadores em contato direto, é finalmente atingir o auge, toda a partida e todo o filme é o sexo em si, uma única relação, e quando eles se tocam, culmina enfim em um gozo compartilhado, entre ambos, Tashi - que grita atestando o prazer - e toda plateia que assistiu cada segundo. O corte final é agora de satisfação, para que o que vem depois, cigarros ou carícias, sejam à escolha do freguês.


 

Nota da crítica:

4/5


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