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Depois de Ser Cinza (2023)

Um retrato de nosso tempo, longa de Eduardo Wannmacher carrega uma grande desesperança e fortes personagens femininas sob um olhar masculino



Há uma leva de filmes feitos entre 2019 e 2020 no Brasil que chegam só agora aos cinemas, muitos deles carregam quase um luto que era sentido coletivamente naqueles tempos. É fácil sentir a diferença da atmosfera do país, principalmente no campo cultural, ao assistir essas obras, e Depois de Ser Cinza se torna mais um exemplo disso. Com personagens do mundo acadêmico, da psicologia ou das artes, há uma tristeza evidente que permeia suas vidas, o que parece ser o grande foco e também um destaque positivo trabalhado no longa. A vida na cidade grande brasileira, que poderia ser qualquer outra, não se difere muito da vida no refúgio fora do país, retratando essa grande parcela - da classe média esquerda - que deixou o Brasil para trás nos últimos anos. Mas, não importa onde, todos são infelizes em certa medida e um desconforto fica no ar em diversos momentos. Das três mulheres que conhecemos no filme, vemos profundamente suas dores, suas formas de escapar delas e o ponto que une suas histórias. Raul (João Campos) é certamente o personagem mais desinteressante dessa obra, e se torna ainda mais no decorrer da história, e, já que não acompanhamos seu ponto de vista e sim o das mulheres, é inevitável questionar a superficialidade desse homem que se envolve com pessoas tão densas e interessantes.


Ocorre que, no começo, o filme desenvolve seus relacionamentos de forma mais orgânica, Suzy (Branca Messina), enquanto amiga de Raul, tem uma relação ambígua com o antropólogo que já beira um romance mesmo antes de qualquer toque físico. A evolução é natural e se torna uma decisão da própria mulher levar aquilo adiante. Porém, ainda que o filme trabalhe o tempo de forma costurada entre passado, presente e futuro, a progressão entre os encontros com cada mulher se dá linearmente e vai se tornando menos esse exercício fluído e mais uma revelação de um olhar puramente masculino. Mostra-se uma necessidade que esse mocinho meio esquerdomacho (com o perdão do termo) se envolva sexualmente com todas as mulheres, mesmo que isso realmente seja o ponto menos interessante de suas narrativas. Com Suzy, ela ainda parece no controle das decisões, mas quando passamos para Manuela (Silvia Lourenço) o relacionamento já se torna mais forçado e as questões internas da personagem, tão mais intrigantes, perdem força pelo destino dado à mulher, que apaga sua própria narrativa para dar lugar à de Raul. Como o fôlego vai mudando, quando chegamos a Isabel (Elisa Volpatto) sobra pouco espaço a ela, e seu envolvimento romântico com o homem soa um pouco deslocado, para além do desconforto constante dos personagens com o mundo, perde-se a naturalidade que havia antes.



Por sorte, o elenco feminino é excelente e capaz de segurar o texto e sua carga dramática sem problemas, atravessando essas vidas de pessoas deprimidas e ansiosas com intimidade, tornando cada uma delas um mundo à parte. Esses sentimentos tão atuais, ainda mais melancólicos quando pensamos nesse passado recente da realização do longa, permeiam a obra perfeitamente retratados por essas mulheres, tornando Raul um acessório que apenas passa por suas vidas. E quando pensamos em sentimentos contemporâneos, nessa era em que nunca fomos tão em busca de análises e terapias, é sintomático que esse homem incapaz de se abrir honestamente com alguém busque um envolvimento físico, e mais sólido, justamente com a sua psicóloga. Logo, nem o filme e nem o ator dão o suficiente para esse homem que acaba sendo superficial perto da profundidade de suas companheiras de cenas, e mesmo assim, tem seu lugar de destaque como condutor dessa história, onde todos os caminhos parecem apontar para ele - inclusive o filme abre e fecha com Raul. Talvez fosse razoável focar nas personagens femininas sem tentar construir esse homem fatalmente medíocre como um parceiro sexual tão óbvio para elas, podendo o encaixar de outras formas em seus caminhos, mas a questão de quem controla o olhar na obra é determinante para essas decisões.


Em geral, Depois de Ser Cinza tem seus méritos por um elenco tão bom e sua capacidade de retratar essa parcela da sociedade atual cheia de dores internas, buscando fugas em todos os lugares, internos e externos. E, talvez, em outros tempos, seria mais fácil aceitar o inevitável destino dessas mulheres de caírem nos braços de um homem fraco e pouco trabalhado, mas hoje em dia me parece que já esperamos algo mais desses retratos.


Nota da crítica:

2,5/5


Filme assistido a convite da Sinny Assessoria, Boulevard Filmes e Vitrine Filmes

Depois de Ser Cinza chegou aos cinemas em 3 de Agosto.


 



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