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Desencanto (1945)

Foto do escritor: Raissa FerreiraRaissa Ferreira
Brief Encounter

Existe algo de muito atraente em uma história de amor proibido, aquele que nunca poderemos realmente viver. Isso porque, tudo que não podemos viver acaba sendo idealizado em nossas mentes, imaginamos todo um mundo de coisas que nunca vão acontecer, que sempre é muito melhor do que a realidade. Mesmo que Laura e Alec tenham se encontrado e vivido algumas breves quintas-feiras juntos, todo um relacionamento mais concreto ficou apenas em suas mentes.


Vemos a história por meio dos olhos expressivos de Laura, contada como se fosse uma confissão de culpa ao marido, ela narra sobre seu amor não para nós, mas para ele. Embora saibamos que Alec também estava envolvido com Laura, são os olhos dela que brilham enquanto a câmera se aproxima lentamente, nos dizendo que uma paixão está nascendo ali, a narrativa é toda dela. E assim, também é a culpa. A culpa consome a personagem e em certo ponto, ela é punida por sua traição, quando após um encontro com Alec ela retorna para sua casa e encontra o filho machucado por um acidente, a forçando a ficar em casa cuidando dele por recomendações médicas. A boa e velha culpa feminina vem com tudo, ela se sente punida mesmo que depois venha um breve alívio quando ela nota que seu marido não percebe nada, não poderia se importar menos. Assim como em As Pontes de Madison e tantas outras histórias, o marido pouco nota a esposa, mal a escuta quando ela desabafa na tentativa de aliviar sua culpa.


Não há margem para julgamentos aqui, a paixão entre os dois é algo tão destacado e forte que fica impossível o espectador culpar o casal. Toda a atmosfera criada é para termos empatia com Laura e torcermos por sua felicidade. Enquanto senta no trem sabendo que Alec está no apartamento próximo à estação, queremos que ela se levante e saia ao encontro dele. Mesmo sabendo como a história vai acabar, esperamos os encontros dos dois, torcemos para o amor dos dois. Embora Alec e Laura se amem, eles concordam que a vergonha e a culpa de viverem esse breve amor é maior do que a felicidade resultante de seus encontros. Por isso, a idealização amorosa de Laura fica só nos devaneios e o relacionamento dos dois tem um prazo para acabar. No último dia do casal, existe uma atmosfera quase sombria rondando o término, uma promessa de fim eterno que deprime Laura a ponto dela dizer que gostaria de morrer.


Se Anna Karenina deixou seu marido para viver um amor com o Conde Vronsky, Laura jamais abandonaria sua família, nem Alec a dele, mas o final de Desencanto carrega ainda algumas semelhanças com o clássico de Tolstói. Laura, assim como Anna, pensa em se atirar nos trilhos do trem expresso, por sentir esse amor tão intenso e tão impossível que a morte parece a melhor saída. Mas, no filme de David Lean a verdadeira tragédia não é a morte da protagonista e sim que ela tenha que viver com a falta desse amor. Mesmo com sua reconciliação final com o marido, que parece nos dizer que a família vale a pena e que o homem pode se importar com a esposa, a dor no coração apaixonado de Laura ainda fica marcada em seu choro, em seu sofrimento.


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