Ao tentar traçar um paralelo entre o refugiado branco do leste europeu com o homem negro revolucionário, Giacomo Abbruzzese pode até ser bem intencionado, mas o resultado é problemático
Ao olhar o material de divulgação de Disco Boy e logo em seguida assistir seus momentos iniciais, acontece um estranhamento, quase como se não fosse o mesmo filme, já que Franz Rogowski é o grande destaque sempre, mas a narrativa se abre com corpos negros em meio à natureza, numa mise-en-scène que explora visualmente essas pessoas como algo exótico, misterioso, com suas peles reluzindo, mesmo que estejam empilhadas e mortas. Essa problemática visual que Abbruzzese introduz em seu longa é exatamente o que vai se desenrolar em todo o filme. Enquanto o diretor traça esse paralelo entre as histórias dos dois homens, existem questões duvidosas tanto em forma quanto em conteúdo, obviamente indissociáveis, porém fica claro que tudo que Abbruzzese quer fazer aqui fica apenas na intenção e sua execução não é apenas falha, nesse sentido, como também é desconfortável quando pensamos nas questões raciais envolvidas. O maior problema da narrativa é que, mesmo que seja claro o esforço inicial de construir duas jornadas, Aleksei (Franz Rogowski) se torna o maior destaque - para ser sutil, já que na verdade o ator carrega o filme praticamente sozinho - e pouco sobra para Jomo (Morr N'diaye) que deveria ser seu “igual” no longa. Imageticamente tudo fica ainda pior pela forma como o revolucionário nigeriano é exibido nas cenas, há um fetiche claro por essas pessoas negras e também um olhar de curiosidade como se fossem peças excêntricas de uma natureza desconhecida. Apesar do distanciamento que a obra tem com todos os personagens, conhecemos um tanto de Aleksei, sua origem, jornada, luto e traumas, mas não teremos o mesmo com Jomo, que parece servir apenas aos propósitos já citados, então, ainda que o refugiado branco tenha também seu corpo estampado em tela, há um interesse maior em sua pessoa além do que é estético.
Existe uma alusão a Bom Trabalho (Claire Denis, 1999) tanto pela Legião Estrangeira quanto pela própria discoteca, mas o olhar de Denis para os corpos daqueles homens fizeram algo que Abbruzzese não foi nem de longe capaz, até porque, a masculinidade aqui dificilmente é uma pauta e todos os olhares para as peles e músculos parecem um mero fetiche vazio. Além disso, em muitas cenas, é como se o filme quisesse dizer que Aleksei e Jomo podem ser realmente como iguais, dois guerrilheiros de certa forma forçados a lutar para sobreviver, e sinto essa intenção ainda mais forte na sequência com a visão de calor, quando ambos se encontram, suas cores se assemelham, e fica difícil compreender em alguns momentos quem é quem. Porém não haveria como criar essa ideia em uma cena se nem o filme todo consegue fazer isso, tudo que realmente é trabalhado em Jomo se aproxima de uma misticidade, inclusive a ideia de sua alma se misturar ao corpo de Aleksei soa bem problemática ao pensar que pouco desse personagem negro foi realmente explorado e agora todo seu tempo de tela será uma alusão carregada pelo protagonista branco.
Quem realmente aparece em geral é o personagem de Rogowski, que é ótimo e carrega muito bem sua participação, mas acaba por atestar que não existe eficácia em tudo que o filme levanta no começo, seus paralelos são fracos e não constroem isso no desenrolar do longa. Importa mais, então, essa culpa do europeu branco, as dores do refugiado que quer fazer a vida na França, e há tão mais destaque para esse remorso, que Aleksei assume a assombração de Jomo como quem desiste de sua própria alma. Como a intenção do diretor fracassa, nenhum personagem é capaz de criar uma conexão efetiva, entre uma divisão pouco explorada e histórias superficiais, acaba que até é possível entender o propósito inicial de Disco Boy como algo bem intencionado, mas, por talvez uma falta de intimidade com certas questões, o olhar de Abbruzzese soa preconceituoso e nenhuma boa intenção é capaz de ajudar nesse sentido.
Nota da crítica:
2/5
Filme assistido a convite da Sinny Assessoria e Pandora Filmes
Disco Boy: Choque Entre Mundos chega aos cinemas em 3 de Agosto.
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