Totalmente imersa no frenesi jovem, Molly Manning Walker debate com seu filme como ainda hoje não lidamos do jeito certo com a sexualidade feminina e com o consentimento
Pelo ritmo acelerado e os gritos agudos, rapidamente percebemos o território que será explorado em How To Have Sex, e como a diretora britânica Molly Manning Walker consegue criar bastante afinidade com esse universo, se posicionando com realismo no mesmo nível de observação desses jovens agitados. A fase do crescer, do rito de passagem tão comumente retratada, numa perspectiva bastante feminina dessas três amigas, é posicionada em tempos muito atuais, mas não se apoia nos dispositivos, redes sociais, telas e câmeras como grande recurso, bem como não faz questão de pontuar grandes questões contemporâneas. É comum que filmes recentes trabalhem dessa forma, se valendo da dinâmica das redes sociais ou sempre levantando pautas e tiradinhas, mas Walker segue de forma mais clássica para falar de algo que é bem antigo, e que era de se esperar que já tivesse mudado. São as três meninas que levam a narrativa e já entram gritando em tela, para mostrar que nesse mundo atual existe liberdade para as mulheres fazerem tudo isso livre de julgamentos, e elas se portam com a certeza disso. Aos poucos, as questões vão surgindo e o que parecia ser apenas um filme sobre várias loucuras e diversões vai dando as caras para suas verdadeiras intenções.
Mesmo que o sexo não seja uma barreira aqui, o filme é bem direto com seu tema, suas personagens ainda estão na fase de descobrimento nesse sentido, e assim começamos a ver que além daquela euforia toda ainda existem muitas travas para a sexualidade feminina, mesmo nesses casos. A virgindade de Tara (Mia McKenna-Bruce) é um grande ponto para esse evento, até caçoada por uma das amigas, então ao mesmo tempo em que o sexo pode não ser um tabu, tido como algo natural de suas vidas, também não é encarado com toda a simplicidade e carrega suas barreiras. As três até podem parecer que não se importam tanto assim com suas relações, mas alguns diálogos vão revelando preocupações e pensamentos - que podem vir da idade, preconceitos, pressões sociais e tudo mais. Além disso, ainda sobra um espaço para uma visão mais romantizada dessas jovens para o sexo, mesmo com tantas brincadeiras e atitudes livres, elas ainda buscam uma relação que não seja puramente física - seja ficar novamente com a mesma pessoa ou uma preocupação posterior entre os envolvidos. Ocorre que toda essa liberdade que existe mais hoje do que antes não simplificou a relação sexual em seu todo para as mulheres, e para essas meninas em transição na vida se mostra complexo o compreender de desejos, sentimentos, expectativas e limites antes de adentrar esse mundo ou o explorar um pouco mais, principalmente quando quem te espera do outro lado é um homem.
Walker vai lidar com a juventude de uma maneira até bem honesta, mas sempre num caminho bem mais limpo e otimista, afinal sua intenção não é discutir o consumo de drogas, álcool ou o que é ser inconsequente nessa idade ou não, portanto é uma visão que não busca julgamentos nesse sentido e se importa em olhar de dentro, sem pessoas mais velhas para aconselhar e guiar, nem apoios externos. É um mundo jovem, vivido, explorado e controlado por eles. Assim, quando há um crescente desconforto pelas invasões do garoto com Tara, a câmera busca nela mesma a resposta, não para explorar sua dor desnecessariamente, mas para compreender junto a ela os limites que estão sendo ultrapassados e como ela lidará com isso. O que vem muito à cabeça durante as cenas é o quanto a noção própria de consentimento é complicada, ainda mais em tempos atuais com tanta liberdade que supostamente teríamos, como uma garota como Tara sabe até onde seu controle está estabelecido e respeitado? E assim, tudo que ocorre após as cenas de abuso é mais lento e menos angustiante, mas mais duradouro. São os momentos em que a menina consegue refletir o que passou, em que a diretora trabalha pelos olhares e tudo que não é dito, uma questão mais antiga que o mundo e que praticamente toda mulher já viveu.
Por sua forma de retratar, How to Have Sex cria uma fácil identificação que consegue transpor as questões de sexualidade e consentimento para qualquer tempo e idade, e certamente o desconforto de quem assiste pode vir atrelado a uma ou outra lembrança ruim. Mesmo assim, Walker não vai para um caminho de torturar sua protagonista ou explorar um grande sofrimento por meio de suas vivências, é quase um atestado de que, infelizmente, essas são questões comuns quando se é mulher e ainda temos muito a evoluir.
Filme assistido a convite da O2 Play e MUBI
How to Have Sex chega aos cinemas brasileiros em 15 de novembro
Nota da crítica:
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