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Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce 1080 Bruxelles (1975)

Foto do escritor: Raissa FerreiraRaissa Ferreira

Jeanne Dielman

Mais de 3 horas de uma rotina entediante que em nenhum momento me entediou. Confesso que eu achei que seria um filme difícil, no começo a julgar pelo ritmo me perguntei como seriam essas horas. Me surpreendi muito de ver como passou rápido para mim e sem nenhum momento de tédio.

Temos 3 dias da vida de Jeanne. No primeiro sua rotina parece cronometrada, milimetricamente controlada. Tudo é frio e distante, da câmera ao relacionamento com o filho.No segundo dia parece que as coisas desandam um pouco. Digo “parece” porque tomamos por referência que o dia 1 seja a rotina quase robótica dessa dona de casa, toda a composição nos leva a crer que essa é a vida todos os dias.Então as pequenas quebras nessa rotina se tornam super visíveis para nós, uma luz esquecida, algo fora de ordem, nada passa batido para quem assiste. A sensação é que depois de uma hora de filme já podemos prever as ações da mulher, mas ai somos pegos de surpresa com essas pequenas mudanças.


Jeanne parece viver no automático para evitar sentir. Até mesmo quando seu filho tenta conversar com ela, ela foge, se distancia. São poucos momentos que chegamos um pouco mais perto dela, mas nunca muito perto.Quando algo parece sair do seu planejado, ela parece se irritar, mas sempre de forma muito contida, dentro de sua calma habitual.

Quando no terceiro dia, Jeanne parece ter se adiantado nas tarefas, ela tem um tempo livre, o que deixa esses momentos angustiantes.Ela parece tentar de tudo para fugir desse tempo livre, vazio. Estaria ela fugindo de sua própria companhia? Da cabeça vazia, livre para pensar?


Então depois de 3 horas de rotinas, friezas e distanciamentos, acho que Jeanne já estava de saco cheio de tudo, e talvez aqueles momentos livres tenham dado a ela algo no que pensar. Na mesma calma com que prepara o jantar, Jeanne rompe num ato de violência. Nos vários minutos seguintes contemplamos um alívio em Jeanne, mesmo estando sozinha e sem fazer nada.

Impossível aqui não pensar em minha mãe e até em mim mesma (dadas as devidas proporções). Os anos mudam, o mundo muda, mas as mulheres ainda estão muito presas ao trabalho doméstico e ao trabalho invisível de cuidar dos outros.Sem uma válvula de escape, vivendo no automático, se dedicando apenas aos outros, sem parar para se dar a devida atenção, qualquer um está à beira de um surto.



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