Tenho para mim que nós mulheres somos as com mais histórias para contar. Em Jogo de Cena, Coutinho coloca no palco as histórias de diferentes mulheres de um jeito único.
Aqui o cinema e o teatro se misturam, observamos as mulheres contarem suas histórias em um palco, o que já pode nos dizer que estamos observando atuações e nem sempre realidades. A câmera que nos mostra essas mulheres, também mostra uma plateia vazia, as fileiras de cadeiras vermelhas atrás dessas personagens e atrizes nos lembram o tempo todo de onde estamos.
Coutinho sempre focou nas histórias das pessoas, provavelmente o ponto mais belo de seu trabalho e que sempre me encantou. Em Jogo de Cena não é diferente. Na história da mãe que perde seu filho recém nascido logo vemos Andrea Beltrão contando a mesma situação. Duas mulheres diferentes, uma delas conhecida do público, sabemos que existe uma atuação ali mas isso não nos tira da história, acompanhamos cada palavra e os cortes e as mudanças não tiram a importância do que é contado. Aquela história não é de Andrea mas a emoção é toda dela, todo sentimento colocado em tela que ela traz é dela independente da verdade. Aqui Coutinho usa o recurso que nos aproxima de todos os personagens em seus filmes, o close, e quando Andrea 'sai' do personagem e fala de sua experiência como atriz a câmera parece nos puxar, nos afastar um pouco e enxergar fora daquela emoção toda em que fomos mergulhados.
Nesse jogo entre realidade e atuação do filme existe muito mais por trás. Vemos a dificuldade de grandes atrizes como Marília Pêra e Fernanda Torres de entregarem uma atuação tão convincente como a primeira de Beltrão ou das outras atrizes que não conhecemos ainda e são esses momentos que brilham tanto, essas mulheres colocando suas experiências e dificuldades de contar algo que é único e verdadeiro de uma pessoa real. Mas o que é mesmo de verdade? Cada pessoa que conta uma história conta de uma maneira diferente, mesmo nós contando nossas próprias vidas mais de uma vez podemos mudar a narrativa, aqui isso é escancarado quando cada atriz mostra maneiras diferentes de sentir e se emocionar com seus textos. Andrea sentiu emoções que sua personagem de referência não demonstrou e sua atuação foi tão real quanto se estivesse contando sua própria experiência.
Sinto também que nós, espectadores, passamos por diversas reflexões assistindo a esse filme, da forma como acreditamos no cinema aos julgamentos que fazemos. Qual mãe perdeu seu filho em um assalto? Qual nos convence mais seja pela forma que conta ou pelo que ela parece ser? Fernanda Torres se incomoda com sua atuação em alguns momentos e Coutinho aproveita isso e nos mostra momentos muito verdadeiros, ela diz que sente que está mentindo para ele, o que é engraçado porque toda atuação é sobre isso.
Eu, particularmente, posso me deixar levar assistindo mas não consigo evitar me sentir provocada a todo momento pelo filme a questionar qual é a verdade e qual não é, mesmo que isso não importe. E realmente não importa, no cinema tudo é mentira ou, como um filme de Kiarostami me ensinou uma vez, um filme não mente, ele tem a sua própria verdade. Pouco importa quem é atriz e quem não é, talvez todas sejam, mas o importante são as histórias e como mesmo atuando, cada mulher consegue colocar um pouco de si, de seus sentimentos e suas crenças, mesmo sem querer.
Se o close, recurso que os palcos não poderiam nos proporcionar mas o cinema sim, nos aproxima e nos faz sentir a identificação, a empatia com aquele que é filmado, a aproximação que uma atriz precisa ter para entrar numa personagem real, de carne e osso, pode ter o mesmo efeito e criar essa mesma empatia.
Atuar e contar a verdade tem uma coisa em comum, ambos exigem que a pessoa se exponha completamente, se entregue, fique nua para quem a observa e julga. No final, podemos não saber a quem pertence cada história, mas sabemos um pouco sobre as dores e as forças que essas mulheres têm.
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