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Foto do escritorRaissa Ferreira

Crítica - Monster (2023)

Tentando estabelecer maior complexidade para seu filme, Kore-eda perde muito da maior potência de sua história que passa por culpa, insegurança e aceitação



Conhecido principalmente por Assunto de Família (2018), filme que venceu a Palma de Ouro, Kore-eda costuma trabalhar um olhar sentimental na complexidade do ser humano, seus lados bons e ruins em busca de sobrevivência, social ou econômica, em seus laços familiares fabricados e sempre muito bem apoiado por crianças que se nada mais funcionar, ainda conseguem tirar empatia do espectador. Em Monster, porém, o diretor apresenta uma narrativa de pontos de vista diferentes, numa espécie de suspense whodunnit em que desvendar os crimes que poderiam ser investigados não tem relevância realmente, mas sim o aprofundar no comportamento de Minato (Soya Kurokawa) e o que ele expõe. O longa avisa, o que aconteceu de verdade não importa, quem incendiou um prédio ou o que de fato ocorreu na escola, ou até quem e se alguém matou um gato, todos são artifícios que Kore-eda salpica por sua obra para que a compreensão final seja que ninguém é o monstro de verdade, todos carregam suas culpas, falhas e mentiras provenientes de medos e inseguranças. Ocorre que a maior força, inclusive sentimental e dramática que o diretor tanto gosta, mora na narrativa de aceitação de Minato, que é traçada através de seu contato com o muito simpático Hoshikawa (Hinata Hiiragi), e essa acaba se perdendo muito nas idas e vindas de pontos de vista, principalmente quando o olhar é do professor, em que tudo fica bastante desinteressante, pegando fôlego novamente só quando as crianças finalmente estabelecem controle no último ato. Kore-eda parece tentar rebuscar seu filme que se garantiria bem na complexidade das emoções dos meninos, o que retira a força de sua história. 


A divisão por perspectivas acaba sempre necessitando de algum suspense que carregue o interesse para frente, o principal do cinema nesse sentido vem do brilhante Rashomon (1950) de Kurosawa, a aula que todos passam obrigatoriamente ao estudar narrativa, em que mais uma vez, não importa a verdade, não importa o que é mentira, vale o entretenimento gerado. Além disso, é comum que essas obras se costurem de forma ordenada para que os pontos de vista se encontrem e revelem as diferenças, o que não só ajuda a manter o espectador engajado em tentar descobrir algo secreto ali, como também contribui para que tudo se sustente em sentido. Monster falha um pouco aqui e ali, tanto por uma costura que nem sempre dá os pontos certos, deixando algumas partes bastante desinteressantes e perdendo esse engajamento por buscar alguma resposta no que está sendo exibido, como por não ter foco no que é realmente importante observar nessas perspectivas e em que momento elas ocorrem. Entre a visão da mãe, do começo, e a de Minato, existe praticamente uma distração que pouco acrescenta no compreendimento do que acontece com aqueles meninos, já que o professor parece uma muleta desnecessária para a obra, com um ato meio bagunçado. A diretora, por exemplo, soa muito mais interessante para a narrativa, em sua complexidade moral e em sua troca com Minato, tudo bem pouco explorado. O filme até ameaça entregar a ela o olhar, mas rapidamente se transforma e sua história que tanto conversa com o longa, fica flutuando entre cenas. 



É curioso que o incêndio seja o ponto de partida de todos os atos, quando parece que o ponto-chave é a agressão sofrida pelo menino. O fogo ao longe que serve como marca temporal acaba sendo mais um recurso do que algo relevante, é o momento em que Hori (Eita Nagayama) colide com Minato que realmente move a narrativa, mesmo que dentro do menino os conflitos já estejam ocorrendo, esse é o ponto de virada que coloca tudo em ebulição. Dentro do primeiro ato a obstinação da mãe (Sakura Ando) em acolher e defender o filho e todos os problemas que ele apresenta são essenciais para despertar algum interesse nessa história que ainda consegue puxar algum fôlego pelo suspense, em que tudo é bastante difícil de decifrar ainda. Toda a relação dos trabalhadores da escola parece ocultar algo mais obscuro, o comportamento de Minato é bastante preocupante e misterioso ao mesmo tempo e Hori se apresenta como um vilão enigmático. No terceiro ato, por abraçar o ponto de vista do menino, tudo se torna um tanto mais gentil pela inocência desse olhar delicado e confuso. É bonito compreender o desenrolar da complexidade das emoções que Minato carrega, de se sentir diferente e entrar em crise, de ser sufocado pela culpa e por isso fabricar mentiras para fugir da realidade. Tudo isso é suficiente para costurar bem esse filme, por mais piegas que seja a mensagem de quem é o verdadeiro monstro nesse mundo, mas perde-se muito tempo tentando rebuscar o que poderia ser simples na forma, confiando na profundidade da jornada de Minato.


Todo brilho de Monster está na simplicidade de Hoshikawa, sua doçura de enxergar o mundo com aceitação de si mesmo, ainda que os monstros o ataquem a todo momento, e em como sua existência impacta Minato, despertando algo dentro dele, que vai da rejeição completa ao que ele enxerga em si, para aceitar quem é. O meio é quase chato, não interessa, só prejudica e enfraquece o todo. É em Rashomon mesmo que se diz que não importa se algo é mentira, contanto que seja divertido, mas Kore-eda parece ter pulado essa cena. 


Filme assistido a convite da Imovision

Monster chega aos cinemas brasileiros em 30 de Novembro


 

Nota da crítica:

3/5




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