O terror finlandês de Hanna Bergholm traz temas um tanto batidos sobre o amadurecimento feminino e traumas da relação mãe-filha para a fantasia e o body horror
Minha mãe sempre fez questão de pontuar que aos 13 anos eu era algo próximo de um monstro. Parece que quase nenhuma menina passa ilesa à puberdade, e como as mudanças no corpo feminino são muito mais complexas internamente do que externamente, coube à arte, principalmente ao cinema, traçar diversas metáforas para mostrar visualmente a confusão interna de nossos corpos. Talvez uma das obras mais lembradas nesse sentido seja Carrie (De Palma, 1976) mas, mais recentemente foi Julia Ducournau que retratou em Junior (2011) a adolescente como um animal trocando de pele, algo muito parecido com o que Hanna Bergholm faz em Hatching mas aqui a diretora vai além, para um mundo surreal e bizarro onde a pele só não basta, é preciso renascer para crescer.
A relação bizarra da família de Tinja já seria suficiente para uma atmosfera de horror psicológico. A pressão absurda, a vida forçada em aparências, constantemente filmada para as redes sociais, os ambientes estéreis, claros e controlados e a mãe narcisista já são elementos assustadores e, assim, o filme trabalha símbolos para representar o estado interno da adolescente. Nada disso é novo, é claro, mas é interessantíssima a forma fantasiosa que Bergholm usa para trabalhar esses pontos meio batidos. Toda a história da criatura que nasce do ovo parece saída de um conto dos Irmãos Grimm, assim como a estética do longa casa perfeitamente com um conto de fadas dos mais antigos e tradicionais, daqueles assustadores, longe da felicidade colorida da Disney.
Nessa confusão de amadurecimento de Tinja, ela cria aos poucos uma nova versão de si mesma, aliando a carência materna a essa busca por ser uma versão melhorada. Nisso o filme não se importa em esconder nem a fantasia — expondo claramente seu pássaro mutante — nem suas intenções, ainda que o desfecho pareça óbvio enquanto se aproxima, não altera a experiência final. O body horror aqui não se concentra na personagem principal, seu corpo em si pouco é afetado, é o corpo de sua criatura que sofre as mutações, dores e violências, que sangra, que solta fluídos e que se transforma em algo novo. O amadurecimento é corporificado no monstro, que passa por todos os efeitos físicos enquanto Tinja lida com as questões emocionais. Ao mesmo tempo, ambas tentam se proteger, se preservar, há um cuidado e uma conexão ainda que a menina odeie tudo que está acontecendo com ela, e culpe tudo de ruim a essa transformação, tornando inevitável que apenas uma delas possa seguir em frente. Crescer é realmente essa jornada de dor e sofrimento que significa muitas vezes ter de deixar uma antiga parte de si mesma para trás e em Hatching todas essas mensagens um tanto clichês se tornam uma fantasia quase infantil, mas bizarramente assustadora.
O longa trabalha tanto dentro dessa lógica do universo feminino que os homens aqui são irrelevantes, sem força. O pai e o irmão são fracos e pouco notados pela matriarca, que é quem rege e controla esse grupo. O amante, que é alguém além dessa atmosfera rígida, não tem relevância o suficiente para impactar os acontecimentos, tudo gira conforme as vontades da mãe e suas necessidades, e são outras mulheres e meninas que servem para motivar as emoções da garota. Por isso, não é estranho que ao fim a menina precise se unir justamente à mãe para chegar em sua forma final. Além dessa união feminina em que é normalmente a mãe quem indica o caminho do amadurecimento para a filha — como Ducournau também já trabalhou em Grave (2016) — fica claro que Tinja está atrelada a alimentar as expectativas dessa mulher como uma maldição, pouco importando se quem sobrevive é a filha ou a versão monstruosa dela.
Com temas extremamente atuais e outros problemas tão antigos quanto o próprio mundo, Hatching pode surpreender quem ainda está disposto a comprar uma boa fantasia, mas para os fãs de realismo pode ser necessário tentar de novo, numa nova versão melhorada e mais imaginativa.
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