Filme simpático de Eduardo Albergaria encontra força na energia de Lucas Penteado e na bonita relação de amizade entre Claudinho e Buchecha
Qualquer pessoa que viveu os anos 90 no Brasil se lembra bem dos sucessos de Claudinho e Buchecha, principalmente quem foi criança nesse período. A dupla que teve um fim inesperado com a morte de Claudinho, sumiu aos poucos da atenção da mídia, mas suas músicas já estavam marcadas na nossa cultura. É claro que tudo isso não é suficiente para dizer que um filme sobre a dupla seria tão bem sucedido quanto, mas como a letra deles sempre previu, a história dos MCs virou cinema, só não sei se vai passar em Hollywood. Nosso Sonho é um filme que não foge muito de algumas fórmulas de cinebiografias, bastante simples e linear, traça uma lógica ao longo do tempo, da infância até a morte, nada de novo por aqui. A escolha do filme, porém, não é a de se escorar em uma ideia de vencer dificuldades para chegar ao sucesso com muito trabalho duro, optando por um tom muito mais alegre em sua narrativa, que depende de sorte, destino e um bom anjo da guarda para realizar tudo que essa dupla sonhava. Não é que Eduardo Albergaria não pontue que ambos tinham talento e carisma de sobra para conquistarem seu espaço, mas ele recusa olhar para a pobreza e para as dificuldades vividas como obstáculos a serem deixados para trás assim que a riqueza parece chegar. Suas origens fazem parte de suas vidas e, embora haja a exaltação da figura dos dois ao estrelato e a melhora de condições de vida, nunca vemos esses personagens olharem com tristeza para seu passado, nem com um deslumbramento delirante para suas novas realidades. Existe um equilíbrio nessa positividade que o longa propõe, muito puxado pela energia gostosa que o Claudinho de Lucas Penteado emana, sempre focando nessa amizade entre eles, mais do que o cenário musical, que só é resgatado vez ou outra.
Acredito que existam coisas muito interessantes a se pensar e trabalhar nessa cena do funk melody, que surgiu lá no começo dos anos 90 se diferenciando do funk carioca de letras mais explícitas, e que foi difundido em larga escala pelo sucesso de Claudinho e Buchecha. Porém, o longa só realmente toca nesses pontos muito brevemente, seja pelo contato inicial de Buchecha (Juan Paiva) com os bailes de Salgueiro, ou pelas imagens de arquivo rapidamente mostradas, que exibem todo um fenômeno cultural desse gênero musical. De resto, a música da dupla se transforma até em coadjuvante na narrativa, sendo responsável por alegrar um pouco as coisas quando a história parece não engatar muito. O verdadeiro destaque aqui é essa relação quase mágica entre os dois, sempre evocando a presença espiritual de Claudinho e seu fatídico fim. Claudinho é retratado aqui como um verdadeiro ser de luz, o anjo de Buchecha, sempre prevendo o futuro, consciente de seu destino, a todo momento feliz, buscando unir as pessoas ao seu redor, compartilhar sua alegria com todos, dentro e fora dos palcos. Se para o narrador Buchecha a carreira musical era uma forma de provar algo ao pai, e talvez conquistar a namorada, para Claudinho tudo parece mais uma onda, uma forma de se divertir ao lado de seu melhor amigo e espalhar essa alegria por aí. Não há grandes dificuldades, portanto, em alcançar seus objetivos, Nosso Sonho é pra cima até quando toca na morte e tudo, ou quase tudo, disso se deve ao personagem e ao carisma de Lucas Penteado.
O longa sempre trabalha nesses prenúncios do que provavelmente grande parte do público já compreende. A miniatura do carro, o motorista em quem Buchecha pouco confia, a materialização do sonho, o acidente que mata um cão. As repetições ao longo da narrativa pontuam que, embora seja Buchecha o protagonista, que guia nosso ponto de vista e narra os acontecimentos, é Claudinho o verdadeiro personagem que move tudo. É assim que, mesmo quando o filme deixa a desejar, se mantém algo bonito que releva alguns pontos. A vilania do pai de Buchecha sendo constantemente usada como o único conflito que avança a narrativa é um recurso bem fraco e que ao final só serve como mais um ponto em que Claudinho resolve tudo, mesmo depois de morrer. Como homenagem ao MC, é bem bonito, mas em duas horas de duração existem muitas coisas que ficam pouco trabalhadas e enfraquecidas. O próprio sucesso dos dois acaba sofrendo nesse retrato, a cena do último show deveria provavelmente mostrar a dimensão desse auge que os dois passavam na carreira, mas as cenas falham ao reproduzir essa ideia e o tamanho do público.
Nem todas as fraquezas de Nosso Sonho conseguem tirar a emoção que vem com a perda de Claudinho. O laço criado entre os faixas é muito bonito, assim como essa força espiritual que é o parceiro de Buchecha, é quase como se o próprio amigo de Claudinho tivesse feito o filme para aqueles que perdeu, como se fosse algo saído dele sem maiores pretensões. Talvez existam muitos pontos fracos no restante da obra e falte ao diretor se arriscar mais além do que é básico desse tipo de biografia, mas como diziam os MCs, se ninguém gostar não tem problema, é uma homenagem bem simpática.
Filme assistido a convite da Atômica e Manequim Filmes
Nosso Sonho chega aos cinemas em 21 de Setembro
Nota da crítica:
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