Com uma tristeza cômica, Martin McDonagh cria uma atmosfera sufocantemente pacata para homens que vivem isolados como ilhas
Inisherin é uma ilha e isso é fácil de perceber em toda a estética do longa, que afasta seus personagens com grandes espaços vazios entre eles, ou os isola nos planos, com uma calmaria cercada por água e a ideia de que tudo de mais interessante acontece bem longe, no horizonte. Há uma guerra importante fora do pequeno lugar, mas só a ouvimos ecoar bem distante, enquanto na ilha nada explode. As pessoas são sempre as mesmas, pouquíssimas, a rotina é absurdamente monótona e os habitantes vivem seus dias como se fossem iguais. As cores são apagadas, exceto pelas roupas vibrantes de Siobhan (Kerry Condon) - a irmã de Pádraic (Colin Farrell) e a única pessoa que quer ir para o continente - e até o céu parece sempre o mesmo, sem mudanças. Tudo é entediante, ou talvez corriqueiro, até o maior motivador da história: o fim de uma amizade. E é com um evento nada grandioso como este que McDonagh constrói um filme intrigante, carregado por um texto inteligente e cheio de humor, com acontecimentos absurdos abalando essa estrutura calma.
É exatamente essa monotonia toda que provoca o espectador e os personagens, levando Colm (Brendan Gleeson) a uma vontade de ser mais, de deixar sua marca na história. Esse medo de morrer e ser esquecido após viver uma vida chata e isolada é uma onda grandiosa de desespero que afeta apenas o interior do homem, mas que acaba desencadeando as maiores emoções que aquela ilha viverá. A movimentação de Colm leva a consequências absurdas e ainda assim, tudo continua estranhamente pacato. Até nos atos violentos, tudo é um tanto contido, como quando o homem corta seus dedos sem muito alarde, o sangue pinga e a dor é evidente, pois sabemos que arrancar um membro deve doer, mas no filme não podemos ver essa dor, não há gritos, nem sinais de dor física, porque a maior dor retratada aqui é interna, difícil de ver e compreender. Da mesma forma que algumas pessoas tristes continuam vivendo sem esboçar algum desespero, Colm toca seu violino mesmo sangrando e ainda que estranhem, ninguém se assusta ou faz algo para interferir, a vida simplesmente continua. Até existe alguma reação do meio que os cerca, mas ela se mantém controlada, até no ritmo do filme, contendo tudo numa linha inerte de emoções.
Mas, mesmo com muitos diálogos e todo esse ritmo desacelerado, o filme consegue prender a atenção pela expectativa de algo grandioso ocorrer em seguida, como se a qualquer momento esse limite fosse se quebrar e revelar algo maior escondido. Esse algo maior é na verdade uma emoção profunda de seus personagens, que não é exposta abertamente e está apenas nos detalhes de suas vivências, expressões e interações. Há um sentimento partilhado pelos habitantes da ilha, de solidão e isolamento, um sofrimento humano de querer mais, de não viver em vão. Para Colm é a ambição de criar algo maior com suas músicas, compor algo que será lembrado. Para Siobhan é a vontade de viver além da ilha, conquistar novos lugares, novas coisas e conhecer outras pessoas. Já Pádraic parece conformado com sua existência pacata e se sente satisfeito com sua amizade, a relação com a irmã e com seus animais e as idas ao pub local. Essa conformidade é totalmente abalada pela inquietação dos outros, perdendo aos poucos cada uma de suas companhias e se vendo forçado a viver totalmente sozinho. Assim, ele também passa a encarar um sofrimento interno e novo para ele, ancorado nessa ilha, que é como se fosse uma representação dele mesmo.
Com esse pequeno universo que o longa apresenta e as perdas que passam pelo caminho de Pádraic, é fácil sentir o impacto do isolamento e do medo de ser irrelevante para o mundo. É sufocante e enlouquecedor sentir esse lugar parado, esquecido, onde nada parece evoluir. Esse sofrimento é retratado com diálogos que ao mesmo tempo expõem e aliviam o peso dessa dor existencial, por serem sinceros, diretos, mas carregados de humor. Colm diz como se sente, em atitudes e palavras, mas tudo é tão absurdo que chega a ser engraçado. Assim, o longa trabalha esses contrapontos, de algo intenso e violento acontecer numa calmaria absurda, de queimar uma casa por sentir algo tão intenso contra seu amigo e apenas parar e observar o fogo com ele, de não suportar mais uma pessoa e assim cortar seus dedos um a um e jogar em sua porta tranquilamente, como quem deixa um pacote e vai embora.
Tudo que é dor, física e emocional, vem pelo absurdo mas anda junto com a tranquilidade. Uma dualidade complexa como lidar com nossos sentimentos e precisar que os outros também os compreendam. Talvez nenhum homem consiga de fato ser uma ilha e todos precisem de algo ou alguém, seja um burro, um companheiro de bar ou um legado para deixar.
Nota da crítica:
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