Tenho certeza que é impossível dizer tudo que sinto sobre esse filme, pois sempre acabo acabada de chorar, com o coração cheio, mas é isso que mais amo no cinema, esses sentimentos profundos que os filmes podem nos causar. Tive o privilégio de ver Retrato de Uma Jovem em Chamas pela primeira vez no cinema, tempos antes do mundo virar um caos, foi um respiro na minha semana, numa sala meio vazia no fim do dia.
Um romance com R maiúsculo, o filme de Céline Sciamma nos apresenta uma Heloise misteriosa e uma Marianne curiosa, disposta a concluir sua missão de pintar o retrato da jovem para um pretendente.O primeiro quadro da pintora, no entanto, provoca decepção em Heloise, que questiona a artista se é assim mesmo que ela a vê. O que desafia Marianne a pintar novamente o quadro e conhecer melhor Heloise. Enquanto a relação das duas vai tomando forma, temos paralelamente a história da mulher que trabalha na casa, grávida a pouco e que quer abortar. As mulheres na casa tratam o assunto com naturalidade, ajudando a mulher no processo. Essa relação de "empregada" x "chefia" é tratada com igualdade, em muitos momentos Heloise é quem ajuda a mulher, desconstruindo essa hierarquia da casa.
Em uma cena poderosa, o universo feminino do filme se intensifica, quando as mulheres cantam ao redor da fogueira, quase de maneira mística. Falo de universo feminino pois pouco vemos homens aqui, e pouco falamos deles, exceto pelo inevitável destino de Heloise se casar forçadamente após o suicídio da irmã, e os homens que levam e trazem Marianne. Não vemos os homens, mas sentimos o peso dessa sociedade patriarcal, o homem que separará Heloise e Marianne nunca é visto, não sabemos seu nome, mas sabemos o que a existência dele significa. O homem que leva Marianne embora não tem nome, quase não fala, mas sabemos que ele está ali para separar as duas também. O pai do filho da mulher grávida não aparece, mas sabemos que ele a engravidou e não está lá quando ela precisa resolver a situação.
O romance entre Heloise e Marianne é lindo de se ver ao mesmo tempo que é tristemente fadado a acabar, já que Heloise deve se casar em breve, com um homem, quando sua mãe retornar. Por isso, o filme vive dentro de uma memória, a memória de Marianne, sabemos que a história que vamos ver é apenas um recorte do tempo, sabemos que é uma lembrança que ficou no passado e marcada nas duas mulheres.
Em uma composição de cenas que parecem pinturas, acompanhamos esse breve recorte de tempo, essa lembrança de Marianne. Por vezes as cenas me lembram o clássico “Persona” com os rostos divididos e Marianne correndo na praia para se desculpar com a amada.
O final me destrói sempre, a música parece bater junto com o coração e a respiração falha, uma respiração que segue o ritmo da música que marcou os poucos dias dessa linda história de amor impossível. A dor da lembrança de um amor vivido e perdido que mora apenas na memória. Me faltam palavras para descrever tudo de lindo que há aqui.
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