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Foto do escritorRaissa Ferreira

Sede Assassina (2023) | As doenças de uma nação

Quase dez anos depois do sucesso de Relatos Selvagens, Damián Szifron retorna com suspense policial hollywoodiano que sofre com fórmulas genéricas mas consegue manobrar com uma boa direção



O diretor argentino que conquistou uma indicação ao Oscar com o memorável Relatos Selvagens (2014) demorou a retornar, Sede Assassina é a estreia de Szifron em hollywood e parece que a escolha não poderia ser mais segura. O filme, que poderia ser um clássico das locadoras - não fosse a temática tão atual - joga pelas fórmulas típicas da indústria quando se aprofunda na trama do suspense policial. São nos detalhes de algumas escolhas, porém, que Szifron mostra sua capacidade de direção e traz algo de valioso à uma produção que tinha tudo para ser completamente genérica, aliadas a uma ótima atuação de Shailene Woodley, que também levanta o longa. De início, a montagem acelerada (também assinada pelo diretor) da sequência de abertura convida à ansiedade do caos urbano que dá o contexto da trama: uma grande cidade pós-pandemia com um inimigo oculto e inesperado que pode atacar qualquer um, em qualquer lugar. Mas, esse ritmo frenético e desesperador dá lugar a uma observação mais silenciosa de Eleanor, com uma câmera que parece convidar o espectador a encontrar pistas e refletir junto à policial. São os momentos mais reflexivos da nova investigadora que dão luz e grande fôlego ao filme, enquanto o objetivo de Szifron ao analisar a doente sociedade dos Estados Unidos acaba caindo num lugar muito raso, com uma abordagem sem muita inspiração.


Existe um comentário pincelado ao decorrer da investigação sobre a crescente onda radical de extrema direita no país, reforçada pelo contraste de um grupo policial diverso, que não tem a intenção de ser um destaque na trama, mas apenas mais um ponto sobre essa proposta de olhar para a estrutura social completamente disfuncional que se solidificou nos Estados Unidos nos últimos tempos. As intenções desses grupos extremistas estão longe de se atrelar ao verdadeiro assassino que buscamos e nem se dão como uma falsa pista, ficando claro que aquilo é apenas uma distração, um desvio para fazer mais uma reflexão que não cabe muito bem no conjunto total. Talvez por tentar abraçar todas essas questões é que Szifron acabe se rendendo tanto a uma fórmula genérica nestes momentos, como se houvesse algo mais inspirador acontecendo no mesmo filme, que não se costura bem com essas escolhas mais básicas. Ao mesmo tempo, Eleanor é usada como ponto de conexão com o assassino que busca, num olhar muito mais sutil e humano, que cria uma empatia não apenas entre a policial e o criminoso, como também entre o público e o vilão, que é aos poucos desmontado pela trama. Se no começo o vemos como um assassino cruel, até pouco antes de o conhecermos frontalmente já temos uma visão muito mais complexa de sua personalidade, que se esforça para aproximar sua figura de dentro para fora, montando primeiro sua personalidade, traumas, medos e história, para depois dar a ele um rosto, um corpo e uma voz.



É, portanto, parte de todo esse esforço de Szifron, usar Dean (Ralph Ineson) como um objeto de consequência de toda a sociedade desse país, não o tornando bom ou passível de compaixão, mas mais um sintoma de uma doença coletiva que afeta cada um da sua forma. Nesse sentido, é muito mais interessante o processo de observação investigativa que também constrói a figura de Eleanor - similarmente doente, mas à sua maneira - a partir de sua análise interna para construir a solução do crime, e tudo que o filme retrata silenciosamente e visualmente nessa jornada, com belas escolhas de um diretor que mostra saber filmar melhor que grande parte de hollywood, do que os muitos comentários sociais que vão se costurando sem muita personalidade. Se temos dois pontos principais no filme, a policial que lida com seus demônios internamente e o homem que resolve os colocar para fora, a obra final também carrega momentos inspirados e criativos que mostram uma personalidade competente, em contraste constante com uma fórmula padrão que não se arrisca.


Ainda assim, todos os pontos positivos de Sede Assassina criam uma experiência que aproxima o espectador mesmo quando seu ritmo desacelera e rendem algumas cenas que ficarão marcadas por um bom tempo na minha mente.


Nota da crítica:

3,5/5




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