Com tensão competente e influência estadunidense, Sabrina Greve busca a independência de sua protagonista, mas entrega pouca profundidade a seus personagens
Um casarão mal-assombrado em São Paulo, talvez um cenário cada vez menos comum na capital, já que qualquer espaço está sendo rapidamente demolido e preenchido por prédios de luxo ou de apartamentos apertados com piscina e rooftop. Porém, para quem cresceu na cidade, todo bairro tinha aquela casa antiga, de estrutura quase clássica, mas pouco cuidada, talvez seja algo universal na verdade, mas quando pensamos nesse cenário, há décadas essas casas são um contraste do que as cerca e que gera um monte de perguntas, ou até um certo medo, em quem as vê. Sabrina Greve não busca, porém, o que há além dessa casa, seu filme se concentra em seu interior muito mais, no máximo buscando algo em sua fachada, mas nunca explorando a vizinhança do Ipiranga. O que até poderia ser tipicamente paulista, ou brasileiro, se perde em muita influência do horror norte-americano, flertando com o gótico, mas não encontrando uma voz própria. Na trama familiar, em que a casa é a representação de traumas que atravessam gerações, pelo abuso, os irmãos órfãos que cuidam da avó adoentada não tem vida, motivação nem personalidade. Cada um processou a vida que teve de uma forma, sendo Jonas o apegado à casa, que por mais perturbado que seja não quer mudar e Rebeca pensa nos problemas financeiros e quer vender tudo e começar uma nova vida, ao menos é o que parece. Ocorre que, todos os personagens acabam sendo muito rasos e o maior trunfo do filme fica na tensão e nos sustos, no horror provocado dentro da casa, com os fantasmas familiares.
É interessante que Sabrina abrace a violência frontalmente, o que também fortalece seu horror, seja quando uma cabeça é esmagada a marteladas ou nos corpos queimados. Mesmo quando os efeitos podem revelar um ou outro defeito, o que é comum em qualquer cinema,principalmente nos menores orçamentos, os cortes rápidos são capazes de garantir que as cenas sejam impactantes e não nos tirem daquela visão de sangue, dor e morte para algo que é claramente artificial. Os sustos também são efetivos, como a construção da tensão, não se escorando numa escuridão nem para maquiar algo, existe bastante clareza quando a avó aparece em um jumpscare ou quando corpos são mostrados, o escuro só serve para criar o suspense, mas o longa não tem medo de mostrar seus efeitos - mesmo o CGI no final que não é bom, mas serve ao propósito. Se existem pontos fracos em alguns elementos, essa construção se mostra uma boa surpresa, carecendo de um tanto de autenticidade e desenvolvimento de personagens para conseguir atingir resultados ainda melhores.
O Porão da Rua do Grito busca a independência de Rebeca, que cresceu presa a esse lugar e se torna uma protagonista apática que volta e meia sai de casa, some e volta sem acrescentar muito. Existem diversos momentos vazios assim no longa, em que Jonas indaga algo mas Rebeca não diz nada, então ficamos sem realmente a conhecer. Da mesma forma a avó não tem uma história bem elaborada, se ela é má ou boa fica um tanto no ar, já que ao mesmo tempo em que os irmãos querem a enganar para garantir sua interdição, quando ela morre a neta chora desesperadamente, como que dando a entender um afeto maior do que havíamos compreendido antes.
A pandemia que era uma realidade muito presente na época das gravações também mostra seus reflexos na obra, mesmo que não seja parte dela verdadeiramente. O pulmão comprometido da avó, as máscaras sempre presentes, seja por motivos médicos ou uma alegoria à peste, parecem uma assombração diferente que ultrapassa a ficção ali estampada. É possível também que as condições tenham afetado a produção, mas é sempre bom ver filmes de gênero sendo realizados no Brasil, ainda mais quando não escondem o sangue e a violência.
Essa crítica faz parte da cobertura do FIM – Festival Internacional de Mulheres no Cinema, 3ª edição
Nota da crítica:
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