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Foto do escritorRaissa Ferreira

Ela Disse (2022) | A indústria que vende suas próprias vergonhas

O novo filme da diretora alemã Maria Schrader constrói uma jornada heróica de jornalismo investigativo sobre o trauma recente da própria indústria que o vende



Ela Disse é o filme de jornalismo da vez, tratando o tema do assédio, mas agora por um olhar feminino, diferente de Bombshell (Jay Roach, 2019), mas sem fugir dos mesmos moldes de outros tantos filmes que passeiam por esse famoso subgênero. O grande atrativo aqui talvez seja o fato de que a investigação não é de qualquer caso, e sim da maior exposição de assédio sexual que já tivemos, ainda muito recente, e que aconteceu na mesma indústria que agora produz este mesmo filme - Hollywood. Como é quase impossível que alguém minimamente interessado por cinema (ou com acesso à internet) não se lembre do movimento #MeToo e de como a grande figura de Harvey Weinstein foi finalmente desmascarada e condenada, o tema do longa por si só já é capaz de criar um bom vínculo e manter a atenção e interesse, mesmo nos momentos mais desinteressantes.


Schrader parece querer humanizar demais as jornalistas Jodi (Zoe Kazan) e Megan (Carey Mulligan) e por isso passa um bom tempo contextualizando suas histórias e vidas antes de finalmente chegar ao ponto principal de como a investigação do caso começou. A todo momento o longa se preocupa em mostrar que além de jornalistas, essas mulheres também são mães e esposas, que vivem vidas complexas, além de sugerir conexões entre elas que as fariam aliadas em uma luta por equidade de gênero - os olhares de compreensão e vínculos pelas experiências de maternidade, por exemplo. Por sorte, o mundo dessas mulheres é difícil, mas nem tanto, já que os maridos são grandes parceiros e elas conseguem não só criar os filhos e viver suas vidas, como também trabalhar longas jornadas exaustivas para criar uma grande matéria. Em muitos momentos esse esforço da diretora para construir as personagens pode soar até desnecessário, já que o filme se garante bem e cria empatia com seu todo por sua própria origem. Mas, essa construção funciona bem para o efeito de transformar a história em uma jornada heróica dessas duas mulheres, bem mais do que uma obra que foca apenas na exposição dos terríveis abusos em Hollywood.



Possivelmente tudo ainda seja muito recente para notarmos os efeitos na vida real de todo esse trabalho retratado no longa, pois curiosamente, um dos produtores do filme é também um homem acusado de abuso, por sua própria esposa, e que também é um dos homens queridinhos dessa indústria - Brad Pitt. Um dos pontos principais em Ela Disse é falar sobre como o problema está longe de ser apenas um grande produtor, como Weinstein, mas sim todo esse sistema que o permitiu cometer tais crimes e ainda o acobertou, silenciando vítimas por décadas e lucrando absurdamente enquanto destruiu para sempre as vidas e carreiras de tantas mulheres com todo um futuro pela frente. Então, é no mínimo interessante olhar para o fato de que essa obra é fruto desse mesmo sistema, ainda que com uma diretora mulher e talvez com o coração no lugar certo, todo o escândalo se torna um produto, com direito a campanha para o mesmo Oscar que Weinstein garantiu a tantas atrizes e milhões lucrados em bilheteria. Afinal, cinema é trabalho, é uma indústria que visa o lucro acima de tudo e as atrizes, atores, diretores e afins, são trabalhadores também, algo que é bem explicado na conversa entre as jornalistas sobre a real necessidade dessa investigação.


Como cinema, o filme garante aquela adrenalina típica dos bons longas de jornalismo investigativo, prende a atenção e diverte - mesmo com relatos terríveis, a direção mantém certa sutileza e uma estética limpa e clara, que ajuda a não tornar tudo extremamente pesado de digerir. É fácil torcer por essas personagens e para o desenrolar da investigação, ainda que já saibamos o desfecho real. Mas, fica aquele sentimento final de o quanto realmente evoluímos, se algo realmente mudou ou se estamos sendo iludidos por essa indústria para deixar tudo para trás e aceitar esse grande movimento como uma vitória quando na realidade, estamos longe de uma segurança total para mulheres.


O cinema conta sua própria história e, para isso, usa sua magia habitual de transformar tudo em espetáculo.


Nota da crítica:

3,5/5




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